quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Uma Aventura de Carro pelos Caminhos da América do Sul - Capítulo I

CAPÍTULO I

SONHOS E REALIDADES

"Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez".
Lao Tsé

No começo era apenas um sonho. Um sonho na cabeça de um homem. Aí dois homens começaram a sonhar. Não dava mais para ser um sonho e ele começou a se transformar em uma realidade.

O sonho de uma viagem pelo continente sul-americano começou há muito tempo. Na verdade, o tempo não é um fator preponderante na transformação de um sonho em realidade. Mas a vontade sim. É ela que diz quando é o momento de agir. O momento de começar, de realizar.

Quando eu tinha oito anos de idade, meu pai, um amante da geografia, enquanto me fazia decorar as capitais de cada um dos países sul-americanos, falava um pouco sobre cada um deles. Ouvidos atentos, olhos arregalados, eu ficava a imaginar como seriam aqueles lugares. Sem perceber, a minha viagem estava começando a ganhar forma. Como eu poderia saber que quase vinte anos depois, juntamente com dois amigos, eu partiria para uma fantástica aventura por aqueles lugares? Eu podia apenas sonhar.

Os homens não são apenas do tamanho dos seus sonhos. Eles também são do tamanho dos sonhos que conseguem realizar. Há os que sonham demais e pouco realizam. Há os que nada sonham e realizam menos ainda. E há os que sonham pouco, mas sonham grande, e muitas vezes conseguem realizar os seus sonhos. Obviamente, nem todos são sonhadores, mas o simples fato de fazer uso da imaginação para idealizar melhores momentos, já é um passo no caminho da realização.

Pode parecer difícil transformar um sonho em realidade. Ainda mais quando se sonha grande. Mas não é. Basta acreditar. Existem pessoas que sempre enxergam à frente dos demais. Sempre pensam grande. Vêem nos grandes sonhos, grandes realidades. Acreditam no sucesso e apostam na vitória. Sonham alto e investem alto. Não se abalam com as dificuldades, porque vêem nos problemas, as oportunidades. Nas pedras do caminho enxergam degraus. Encontram portas, onde outros não viram nem janelas. São estes os que chegam onde outros nem sonharam estar.

Acreditando nestes ideais comecei então a planejar a longa viagem pelo continente de Colombo. Rapidamente tudo o que era sonho foi para o papel. Neste momento, importantes contribuições para a execução da viagem começaram a chegar como se estivessem apenas esperando o instante em que eu as procurasse.

Voraz consumidor de livros e jornais, tenho que me controlar para não gastar todo o tempo disponível em leitura. Entretanto, este hábito levou me a ler algumas boas obras que me chegaram à mão através de amigos.

Há uns três anos um aluno me presenteou a obra "Os Conquistadores da Terra", de Serge Betino, editado em Portugal. Somadas a esta leitura interessante, mais recentemente, li as duas obras do Amyr Klink, onde ele narra suas peripécias nas suas viagens marítimas. Finalmente, li um artigo de revista sobre um jovem brasileiro que realizou uma longa viagem entre o Brasil e os Estados Unidos, de bicicleta e sem dinheiro.

Inspirado por estas leituras e cheio de pensamentos sobre a viagem que almejava realizar, parti para uma escalada no pico das Agulhas Negras, no Parque Nacional do Itatiaia. Com dois amigos alcancei o pico naquela manhã chuvosa de janeiro de 1993. Na descida, um deles, o Elias Rolemberg, fala me sobre as dificuldades enfrentadas pelos brasileiros no rali Paris-Dakar, mas falou também das vitórias dos motoqueiros Klever Kolberg e André de Azevedo.

Pronto! não precisava dizer mais nada. Aquelas palavras eram o incentivo que faltava. Eu iria realizar a viagem pelo continente americano. De motocicleta!

Pensei comigo: Só preciso convidar um cara tão "louco" como eu e juntos vamos atravessar a América. Falei com um grande amigo, o Paulo Vaz, um professor de Anatomia e especialmente, grande amigo.

Quando será a nossa partida? Foi a resposta do Paulo. Fantástica a disposição dele. Imediatamente começamos os preparativos para a grande viagem.

Quando toquei no assunto com a minha esposa sobre comprar uma moto, senti que ela não gostou da idéia. Eu dei a entender que faria uma aventura de motocicleta. Moto, nem pensar, é muito perigoso, disse ela. De carro, tudo bem, ela argumentou. Mas de moto não. Mas é claro! Falei comigo mesmo. Vamos de carro. Como prêmio pela idéia, ela ganhou de presente uma viagem para o Peru. Junto com nossos dois filhos, ela iria passar as férias em Lima, com os pais dela.

O Paulo, entretanto, recebeu um convite para participar de um seminário de medicina desportiva em Seatlle, U.S.A., e embora participasse dos preparativos da viagem, seguiu para a terra do Tio Sam.

Neste ínterim, apresentei os planos para dois outros amigos: Márcio Donizetti Costa, professor de Sistemas Operacionais de Processamento de Dados e o Elias Rolemberg, que éassessor jurídico em São Paulo. O Márcio trabalhou com mecânica durante quatro anos na aeronáutica e sua função no projeto seria bem específica e clara. O Elias e eu atuaríamos para canalizarmos fundos para a grande viagem.

Porém o Elias teve contratempos com o funcionamento do seu escritório e então convidei um jovem estudante de engenharia mecânica que sabia do projeto e havia se mostrado interessadíssimo em participar: Rubem José Mello e Silva.

Assim como na formação da equipe, os planejamentos, também no curto espaço de cinco meses, sofreram reveses e algumas mudanças.

Os planos avançaram e batizamos a viagem com o nome de PROJETO AMÉRICA DO SUL. Decidimos que a nossa partida seria no dia 27 de junho.

Corremos atrás de patrocinadores como atletas atrás do ouro olímpico. Mas a despeito dos vários contatos com empresas e outras entidades, só subimos ao pódio 4 vezes. A busca de um patrocinador para o veículo foi a mais interessante. O carro do presidente Itamar esteve quase embarcando no projeto, mas os chefes daquela montadora resolveram não arriscar. O topo de linha da ENVEMO também ficou no quase. E uma pick-up da G.M. nos foi prometida. Mas a decisão final ficou na mão do responsável pela liberação dos veículos para revistas e eventos especiais. No nosso último contato direto com essa Grande Montadora, vimos sobre as folhas do Projeto o carimbo de Detroit e ouvimos a promessa de que um carro nos seria entregue. Em vão. Vinte dias antes da nossa partida, disseram nos por telefone que o carro que nos seria entregue estava em exposição em Minas Gerais e que por este motivo não poderiam patrocinar o Projeto.

Como estávamos decididos a realizar o projeto a despeito das dificuldades, resolvemos ir então com um carro usado. Peguei meu Opala 83 e demos um "trato" nele para suportar a grande aventura.

De fevereiro a junho de 93, tínhamos nos reunido diversas vezes para planejarmos o Projeto e delinearmos a nossa linha de ação com relação a busca de patrocinadores. Várias decisões foram tomadas e os objetivos do projeto ficaram assim esboçados:

PROJETO AMÉRICA DO SUL

Previsão de datas: 27 de junho a 31 de julho de 1993

1. Realizar a primeira e mais longa volta em torno da América do Sul de Automóvel, conhecendo cada país, seu povo e seus costumes.
2. Lançar a campanha ecológica "Educar para Preservar" em nível educacional na América do Sul.
3. Entrar para o "Guinness Book of Records" com esta viagem inédita.

As idéias da campanha ecológica para nós faziam muito sentido. Como praticantes de "treeking", montanhismo e "montain bike" na Serra do Mar há vários, temos nos empenhado pessoalmente na luta pela preservação da mata Atlântica. Agora teríamos a oportunidade de chamar a atenção dos meios de comunicação com a nossa viagem e lançar de maneira mais prática uma campanha ecológica voltada para a formação de uma mentalidade de preservação na nova geração de alunos de várias escolas do continente. O lançamento da campanha seria inicialmente nas escolas adventistas, que em 1993 comemoraram seu centenário na América do Sul. Lançaríamos e divulgaríamos também a campanha na imprensa, no rádio e na TV, desde que tivéssemos oportunidades.

Já a idéia de entrar para o "Guinness" surgiu após uns dois meses de preparativos. Entramos em contato com os representantes do livro no Brasil e recebemos um fax da Solange Costa Souza, a diretora de Redação do "Guinness". Afirmaram nos que era necessário documentar o evento com fotografias, filmagens e, se possível, contatos com os meios de comunicação.

No início de junho começamos os últimos preparativos. Reunimo-nos, o Márcio, o Rubem e eu, decididos a realizar o Projeto América do Sul, mesmo que o custo fosse alto para nós.

- O que temos? Perguntei.
- Temos o patrocínio da Golden Cross e da Superbom Produtos Alimentícios! - respondeu prontamente o Rubem.
- Podemos conseguir mais, embora tenhamos pouco tempo! -emendou o Márcio. E de fato, ainda somou-se ao patrocínio a Flanai Seguros e tivemos o apoio do Ézer Amâncio da Apolinário Sports. A contagem regressiva para o dia da partida avançava rapidamente e nos deixava preocupados.

Lançar na estrada um comodoro 83, para percorrer mais de 20.000 quilômetros em pouco mais de um mês, parecia arriscado. Mas a máquina estava em ótimo estado e além disso tínhamos dois mecânicos na equipe. A proximidade do dia da partida nos deixava eufóricos e animados.

Afinal, foram muitos dias de pesquisa nos melhores mapas e enciclopédias disponíveis no país, a fim de escolhermos as melhores rotas, os melhores caminhos; consultas a literaturas especializadas, tanto em revistas como em livros para verificarmos os diferentes procedimentos com o carro, nas diferentes situações que iríamos enfrentar. Fizemos também estudos sobre as condições de clima e de relevo; das peculiaridades de cada um dos países a serem visitados; dos trâmites fronteiriços; dos instrumentos e ferramentas indispensáveis; dos pontos de parada e descanso e de todos os custos. Tudo foi analisado. Os objetivos foram repensados. Praticamente tudo estava pronto para a partida.

Na última semana minha esposa viajou para o Peru. Despedimo-nos no aeroporto, na certeza de que nos encontraríamos em Lima umas três semanas mais tarde.

Fizemos finalmente o derradeiro check up:

Carro? Ok! (Opala Comodoro 83, à gasolina, 4 cilindros, inteiro)
Patrocinadores? Ok! (Só cobriram 20% do Projeto)
Documentos?
Passaportes. Ok!
Carteira Internacional de Motorista. Ok!
Carteira de Sócio do Automóvel Clube do Brasil. Ok!
Carteira de Sócio FISA. Ok!
Documentos do Carro. Ok!
Dinheiro? Ok! (Embora na conta certinha)
Máquina Fotográfica? Ok!
Filmadora ? Ainda não!
Vestuário? Ok!
Primeiros Socorros? Ok! (Uma maleta completa que a grande amiga Deise Apolinário fez para nós)
Peças de Reposição? Ok! (velas, platinados, bomba de água, etc.)
Contatos com os meios de comunicação? Ok!

Na véspera ainda verificamos o roteiro:
* BRASIL (São Paulo a Santana do Livramento)
* URUGUAI (Riveira a Fray Bentos),
* ARGENTINA (Gualeguay - Rio Gallegos - Bariloche)
* CHILE (Extremo Sul: Punta Arenas - Osorno a Arica)
* PERU (Tacna a Tumbes)
* EQUADOR (Huaquillas a Ibarra)
* COLOMBIA (Ipiales a Cúcuta)
* VENEZUELA (San Cristobal - Caracas)

Ainda não sabíamos se havia ou não estradas para a Guiana Inglesa. Nenhum dos mapas que conseguimos possuia esta informação. Se houvesse um caminho, iríamos por lá. Depois Suriname, Guiana Francesa e Brasil. Se não, entraríamos no Brasil por Roraima, desceríamos até Boa Vista, Manaus e daí, Belém. Continuaríamos pelo nordeste, sudeste e chegaríamos a São Paulo, após mais de 20.000 quilômetros de viagem. Pelos nossos cálculos, em torno de 25.000 quilômetros.

Na última noite, a ansiedade era tanta que dormi apenas quatro horas. O Márcio atravessou a noite fechando as notas dos diários escolares (vida de professor) e o Rubem dormiu pouco também.

O dia 27 de junho amanheceu ensolarado e nem parecia inverno. Ao lado do carro estavam umas quarenta pessoas. A presença deles ali no IAE (atual UNASP campus I), que tanto nos animou durante a fase de planejamento, era a lembrança carinhosa que levaríamos daquela grande cidade. Apenas uma hora antes da partida chegou o Ézer Amancio, da Apolinário Sports, nos trazendo uma câmera filmadora. Fantástico! Agora não faltava mais nada. Todos foram lá nos desejar sucesso na grande viagem.

Eram muitos os apoiadores do Projeto América do Sul no dia da partida. Entre os vários que dirigiram a Deus uma prece, pode se ver na foto o prof. Edy Gorsky, Ariel Silva (o pai do Binho), Nevil Gorsky (diretor do UNASP), Rosevaldo Rocha (líder dos Desbravadores), Euler Bahia (Diretor Acadêmico do UNASP), Ezer Amâncio (da Apolinário Sports) e vários outros amigos.


O Binho, eu e o Márcio.

A família do Binho.

Ariel, Ezer, Márcio, Euler, Nevil, Rubem e eu.

Os professores Edy e Nevil davam dicas para a nossa longa viagem.

Na faixa do UNASP (na época, Instituto Adventista de Ensino) podia se ler sobre as comemorações do Centenário da Educação Adventista na América do Sul.


Gravamos várias cenas para o Projeto Ecológico em nível continental.

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