quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Proposta para a Reforma do Ensino Médio (alternativa para modificações na MP 746/2016)

Proposta de Modificação da MP 746/2016

Dr. Frank Viana Carvalho (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia - SP)

Considerações iniciais

Ao longo das duas últimas décadas, especialistas em educação têm debatido sobre a necessidade de mudanças no Ensino Médio (EM) com vistas à melhoria dos resultados dos alunos, e o próprio Ministério da Educação criou grupos de estudos com essa finalidade. Os resultados das avaliações dos últimos dez anos mostram que, embora pequeno, houve crescimento no Ensino Médio: o Ideb saiu de 3,4 em 2005, para 3,7 em 2015. O que se percebe é que ao analisar os dados dos países que alcançam melhores no PISA, há desafios em várias frentes para o Ensino Médio no Brasil: capacitação e formação dos professores (formação profissional e continuada), mudanças curriculares, introdução de novas metodologias de ensino e aprendizagem, melhoria da estrutura das escolas (equipe educacional, materiais e equipamentos, espaços pedagógicos), aumento da permanência diária dos alunos na escola (Tempo Integral) e melhoria do plano de carreira dos professores. A mudança proposta pela MP 746/2016 vai basicamente em apenas duas direções: aumento do tempo de permanência dos alunos nas escolas e alterações de natureza curricular. Nessa mesma linha, há grupos de estudo no Brasil com preocupação em realizar mudanças de natureza curricular, e realizar modificações Base Nacional Curricular Comum (BNCC), um deles criado pelo MEC: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio. Será que essas são as mudanças mais indicadas para alcançar os resultados almejados?
Ao analisar atentamente o que ocorreu em outros países que buscaram soluções para esta mesma questão, a resposta volta-se para outros caminhos. Se é verdade que a estrutura no Brasil do EM atual mostra-se anacrônica e insuficiente, não se pode conceber uma proposta moderna de reforma ou reformulação sem estabelecer processos de formação continuada para os professores (investir na melhoria da qualidade do trabalho docente) que lhes permitam utilizar melhores abordagens metodológicas (modernas metodologias de ensino e aprendizagem, percursos de interdisciplinaridade, uso das modernas tecnologias da informação) para a melhoria contínua do seu trabalho educativo e da aprendizagem dos estudantes. Vários modelos seguem essas tendências nos países mais desenvolvidos. Na Finlândia, país que tem sido referência na educação mundial, a maioria dos docentes têm pós-graduação e em seu trabalho têm de articular suas disciplinas a projetos interdisciplinares e às modernas tecnologias para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem.  Na França, por exemplo, o Ensino Médio (Lycée - Liceu) é igual para todos – as provas ou exames finais chamados Baccalauréat é que são diferentes. Ao todo são nove disciplinas, pois algumas são agrupadas interdisciplinarmente (Física e Química; História e Geografia). Na Inglaterra são nove disciplinas básicas no EM (algumas também articuladas interdisciplinarmente, como Artes e Tecnologia, Estudos Sociais e Filosofia, História e Geografia), além de outros componentes adicionais que completam a Escola de Tempo Integral. Em Portugal, os docentes recebem valores adicionais quando estão em capacitação. Os professores do Ensino Médio do Japão trabalham em equipe para estabelecer juntos estratégias de ensino e interdisciplinaridade. Nos Estados Unidos, em vários estados os investimentos se voltam para a capacitação dos professores, pois há vários estudos que mostram que quanto mais se investe na melhoria do trabalho e qualificação docente, tanto melhores são os resultados dos alunos. A diferença média entre alunos com potencial semelhante chega 53 pontos percentuais ao final de oito anos de estudo:

* Entre os 20% de melhores professores;

** Entre os 20% de piores professores

A análise dos dados testados de Tennessee mostrou que a qualidade dos professores afetou mais o desempenho dos alunos do que qualquer outra variável; em média, dois alunos de desempenho médio (50º percentil) diferiam em mais de 50 pontos de percentil num período de três anos dependendo do professor que tinham.

Fonte: Sanders & Rivers Cumulative and Residual Effects on Future Student Academic Achievement.


Quando se fala em estratégias para melhorar a qualidade do trabalho dos professores, o exemplo da Inglaterra é emblemático. Lá não houve melhoria nos níveis de alfabetização nas escolas durante 50 (cinquenta) anos. Uma abordagem estratégica para elevar a qualidade dos professores em 1997 resultou em melhorias significativas em apenas 03 (três) anos:


* Os níveis de alfabetização antes da introdução das avaliações nacionais eram extrapolados de fontes de dados disponíveis
Fonte: Departamento de Educação e Habilidades (RU), Trends in Standards of Literacy and Numeracy in the United Kingdom 1948-1996, análise McKinsey.


A proposta para o EM do Brasil:

Inspirada nos modelos acima citados, em pesquisas educacionais, em diálogos produtivos com vários docentes de diferentes instituições, e com membros da equipe do IFSP-SRQ, nossa proposta é simples e altamente funcional:
- Manter um grupo permanente de estudos da Base Nacional Curricular Comum (BNCC);
- Os sistemas de ensino deverão criar mecanismos de formação continuada e capacitação dos docentes e demais educadores que atuam na Educação Básica, remunerando de forma adicional os docentes durante todo o período em que estejam em capacitação;
- As instituições formadoras de professores modificarão seus currículos para ensinar aos educandos modernas metodologias de ensino e aprendizagem com eixos teóricos e práticos que envolvam a interdisciplinaridade em suas múltiplas apresentações, tecnologias da informação, avanços científicos, trabalho em equipe e cooperação, solução de problemas, educação socioemocional, criatividade, desenvolvimento de competências, habilidades e múltiplas inteligências;
- Estabelecer a interdisciplinaridade como meta principal da ação pedagógica, articulando o trabalho docente às novas tecnologias, saberes científicos e temas da modernidade;
- Alocar as disciplinas em Projetos multidisciplinares, de tal forma que os processos avaliativos também caminhem conjuntamente;
- Os docentes de cada uma das disciplinas continuarão a lecionar os conteúdos curriculares de suas áreas, mas planejarão as atividades de ensino e aprendizagem para a integração e não para a segmentação;
- As seguintes disciplinas trabalharão em projetos de avaliação interdisciplinar conjuntamente:
- Física e Matemática;
- Inglês e Espanhol (língua estrangeira moderna);
- Biologia e Química;
- História e Geografia;
- Filosofia e Sociologia;
- Artes e Educação Física;
- A disciplina Língua Portuguesa se articulará em diferentes momentos aos projetos de avaliação conjunta dos componentes de Artes e/ou das demais disciplinas;
- Em cada ano do Ensino Médio haverá um Projeto Integrador, conduzido por dois ou mais docentes para promover a interdisciplinaridade em suas variadas formas e integrar os componentes curriculares;
- Todas as escolas em suas grades horárias estabelecerão momentos (dias e horários) onde todos os docentes de cada turno poderão se reunir para estudar, desenvolver e estabelecer projetos para a atuação interdisciplinar de forma a melhorar os processos de ensino e aprendizagem – esses momentos deverão ocupar entre duas e quatro horas aulas semanais;
- Nos cursos técnicos de Ensino Médio as equipes docentes estabelecerão propostas de interdisciplinaridade nos componentes da formação profissional;
- As avaliações ligadas aos processos seletivos das instituições de ensino superior considerarão essas mudanças em seus modelos de avaliação e ao avaliar os conhecimentos curriculares terão enfoque em competências e habilidades;  
- Os sistemas de ensino estabelecerão projetos para a implantação em todo o país da Escola de Tempo Integral, aumentando progressivamente a carga horária até o total de 1400 horas anuais;
- Os temas transversais serão articulados de forma objetiva às disciplinas da BNCC (Base Nacional Comum Curricular).

São Roque, 05 de outubro de 2016.


Tive o privilégio de visitar a Câmara dos Deputados em Brasília em 05 de outubro de 2016, onde fui cordialmente recebido pela equipe do Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, presidente da Comissão de Educação. Entreguei a ele e à equipe a Proposta que, tenho certeza, pode contribuir para uma melhor reforma do que a anunciada na MP 746/2016.







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